Parem de Culpar o Clima pelos Desastres

Desastres ocorrem quando os perigos encontram alguma vulnerabilidade. Precisamos conhecer os componentes desta vulnerabilidade e dos perigos criados pelo próprio ser humano e assim enfatizar as iniciativas de reduzir os impactos dos desastres de forma proativa.


Nature

Tradução: Pedro Paes de Carvalho



Photo by Kelly Sikkema on Unsplash


Os perigos naturais como enchentes, secas e ondas de calor se transformam em desastres como resultado da vulnerabilidade social, isto é, a propensão da sociedade e dos ecossistemas de serem prejudicados. Em geral, a situação social, política e econômica determina a natureza, as diferenças e a proporção dos impactos na população. Além disso, muitos perigos naturais não são apenas processos naturais, mas se tornaram mais prováveis e mais intensos pelas mudanças climáticas criadas pelo próprio ser humano. Isto já foi identificado há bastante tempo, mas os desastres ainda continuam sendo interpretados como “Atos de Deus” ou por “causas naturais”.

Defendemos o argumento que a participação da atividade humana em desastres deve ser claramente comunicada e não culpar a natureza ou o clima. Este posicionamento criará um ambiente mais propício para uma ação pró-ativa, equitativa e bem sucedida para a redução dos impactos dos desastres.


Do Perigo para o Desastre

Referências sobre os perigos relacionados ao clima como as enchentes, secas e ondas de calor como “climáticas” ou como desastres “naturais” sugerem que os desastres são independentes da vulnerabilidade. Eles não são. A vulnerabilidade é muitas vezes “construída”. Podemos exemplificar: urbanização sem planejamento, injustiça sistêmica(pessoas sendo impedidas de acessar recursos) e a marginalização relacionada a religião, casta, classe social, raça, gênero e idade. Vulnerabilidade é portanto, um produto do processo social e político que incluem elementos do poder e da falta de governança. Estas desigualdades estruturais são criadas de tal forma que muitas vezes são deliberadas por estruturas sociais e políticas.


Nas áreas urbanas, por exemplo, perigos naturais se transformam em desastres, pois não informam a população sobre a baixa qualidade do planejamento urbano. Isto resulta em infraestrutura inadequada, falta de um sistema proteção social que poderia reduzir impactos, ajudar na recuperação de desastres do passado e processos que induzem os grupos mais vulneráveis a viver em áreas perigosas. Isto causa impactos desproporcionais(perdas e danos visíveis e invisíveis), principalmente quando existem múltiplos perigos ao mesmo tempo. Estes tipos de impactos ficaram visíveis durante a pandemia da Covid-19. A pandemia, em combinação com outros perigos naturais, pode ter empurrado as populações mais vulneráveis do planeta para situações ainda mais vulneráveis, sendo isto referido como vulnerabilidade agravada. Durante a pandemia, por exemplo, a dificuldade de acesso aos sistemas de saúde ocorreram juntamente com a falta de outras formas de proteção social, como a falta de medidas do governo para a redução de riscos por exemplo. Estes fatos, agindo em conjunto, aumentaram os impactos destes perigos.


Aceitar Responsabiidade

Culpar a natureza ou o clima pelos desastres desvia a responsabilidade. É a influência humana que produz a vulnerabilidade. Acusar as causas naturais cria uma narrativa política conveniente que é utilizada para justificar políticas e leis somente reativas ao desastre. Por exemplo, é mais fácil para os prefeitos culpar a natureza ao invés de averiguar as causas sociais e as vulnerabilidades físicas provocadas pelo ser humano. Um desvio da responsabilidade também leva a continuação da desigualdade, onde os mais vulneráveis da sociedade são os mais afetados em cada desastre. O discurso que associa desastres a natureza é uma boa saída para os responsáveis para continuar a criar a vulnerabilidade.


Em direção a uma mudança de perspectiva

A avaliação dos perigos relacionados ao clima geralmente enfocam indicadores baseados em escalas temporais dos modelos climáticos, tais como o dia mais quente demonstrando calor intenso ou os eventos meteorológicos mais extremos. Em vez disso, para ajudar a reduzir os impactos dos desastres, seria mais informativo avaliar os perigos mais relevantes na escala temporal e espacial do ponto de vista do perigo e da vulnerabilidade, como as ondas de calor que ultrapassam determinado limite nas cidades no intervalo de um dia ou alguns dias e não estimando a escala de calor extremo de países. A avaliação de escalas espaciais fazem uma grande diferença. A onda de calor na Europa de 2018 foi considerada como trinta vezes mais propícia de acontecer como resultado das mudanças climáticas. No entanto, o calor extremo pelo período de 3 dias, quando a mortalidade atingiu o seu máximo, somente chegou a 2-5 vezes de probabilidade em cidades europeias individuais.


As ciências da atmosfera tem uma parte importante a contribuir, como por exemplo, identificar quando a mudança climática é o fator chave dos perigos. Onde a mudança climática exacerbou o risco é importante, pois é provável que o perigo vá aumentar com o tempo e as observações do passado se tornem progressivamente menos importantes. O estudo da mudança climática precisa ser utilizado para comunicar quando os desastres estão parcialmente ou totalmente vinculados a mudança climática induzida pelo ser humano.


Agora que o 6ª Relatório de Avalição do IPCC foi divulgado, existe a possibilidade para refletir e agir. Os impactos dos desastres podem ser reduzidos drasticamente. Nós precisamos parar de culpar a natureza e o clima pelos desastres e colocar a vulnerabilidade no centro de um pró-ativo e engajado debate sobre novas leis e políticas para desastres. Esta reorientação conceitual básica é um necessário recomeço para identificar um reordenamento estrutural sistêmico e assim criar soluções para criar uma sociedade mais igualitária e mais resistente a desastres no longo prazo.




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