A energia nuclear é favorável ao clima?

“Quem é contra a energia nuclear é contra a proteção climática”, dizem defensores da energia atômica. O tema é altamente controverso. Mas o que dizem os números? Seria esta uma solução para o aquecimento global?


Por Joscha Weber | Jo Bryan Harper | Gero Rueter


Depósito de lixo atômico de Gorleben na Alemanha: resíduos das usinas são grande problema e também geram CO2Foto: Sina Schuldt/dpa/picture alliance


São números como esses que geram questionamentos sobre a seriedade com que o mundo lida com a crise do clima: as emissões globais de CO2 devem aumentar em 4,9% em 2021, em comparação com o ano anterior, preveem os pesquisadores da iniciativa Global Carbon Project, em um estudo recente. Sim, é verdade que no ano passado as emissões caíram 5,4% devido à pandemia, e que uma recuperação era esperada. Mas, ainda assim, não com tanta força.


Uma vez que o setor de energia continua sendo o maior emissor de gases causadores do efeito estufa, com uma parcela de 40% do total (e com tendência de crescimento), os olhos do mundo, voltados para a Conferência do Clima das Nações Unidas (COP26), recaem prioritariamente sobre esse tema. Como fazer para tornar nossa energia elétrica mais favorável ao clima?


A resposta, para alguns é: com mais energia atômica. Os defensores da energia nuclear a veem como uma tecnologia favorável ao meio ambiente ou, ao menos, transitória. "Quem é contra a energia nuclear é contra a proteção do clima”; "se você não apoia o progresso da energia nuclear, você não é seriamente a favor da redução das emissões”; ou ainda, "está para acontecer o retorno da energia atômica”. O que está por trás dessas afirmações?


A energia nuclear é livre de emissões?


Não. A energia nuclear também gera gases causadores do efeito estufa. Quase nenhuma forma de energia é livre de emissões, mas, falaremos disso mais para frente.

A extração, transporte e processamento de urânio gera emissões, assim como a prolongada e complexa construção das usinas nucleares. O mesmo ocorre durante o desmonte dessas estruturas. E, por último, mas não menos importante, o lixo nuclear deve ser transportado e armazenado sob rígidas condições – em um processo que também emite CO2.


Mesmo assim, alguns grupos defendem que a energia nuclear seria livre de emissões. Um exemplo disso é um estudo realizado pela empresa austríaca Enco para o Ministério da Economia da Holanda, onde o possível futuro papel da energia nuclear para geração de energia é analisado de maneira positiva.


"As maiores razões para escolher a energia nuclear são a confiabilidade e segurança no fornecimento, sem emissões de CO2”, conclui a análise. A Enco, porém, foi fundada por especialistas da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e trabalha com investidores no setor, ou seja, não é completamente livre de interesses.


"Levando-se em conta o sistema geral atual de energia, a energia nuclear não é, de modo algum, neutra de CO2”. Esta é a conclusão do grupo de pesquisas Cientistas para o Futuro, apresentada nas discussões sobre energia nuclear e o clima durante a COP26.

Um dos autores do estudo, o pesquisador Ben Wealer, da Universidade Técnica de Berlim, critica os defensores da energia nuclear por "fracassarem em considerar diversos fatores”. Por exemplo, a construção e operação dos depósitos de rejeitos, o transporte do lixo nuclear e o desmonte das usinas. Todo os estudos que a reportagem da DW pôde analisar apontam para a mesma direção: as usinas nucleares não são livres de carbono.


Qual a quantidade de CO2 gerada na produção de energia nuclear?


Nesse ponto, os resultados divergem bastante, dependendo se é avaliado o processo de geração de energia no sentido mais reduzido, ou se é levado em conta o ciclo vital completo de uma usina nuclear. Um relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), de 2014, calcula uma quantidade de CO2 de 3,7 a 110 gramas por kilowatt/hora.


Durante muito tempo, presumia-se um total de 66 gramas de CO2 por kilowatt/hora, estimativa que, segundo Ben Wealer, não é verdadeira. Ele diz que o valor real seria bem mais alto. Os novos sistemas geram mais CO2 do que os antigos, devido a regulamentações mais complexas, como por exemplo, em questões de segurança.


São raros os estudos que avaliam o ciclo completo da existência e geração de energia das usinas nucleares, desde a extração do urânio até os depósitos de lixo nuclear. Alguns pesquisadores relatam a inexistência de dados. Um estudo do Serviço Mundial de Informações sobre Energia (Wise), calcula que as emissões de CO2 devem ser de 117 gramas por kilowatt de energia nuclear, calculando todo o ciclo vital das usinas.


Deve-se levar em conta que o Wise é declaradamente contra a energia nuclear, portanto, não é totalmente imparcial. Mas, outros cálculos sobre o ciclo vital completo também apresentam valores semelhantes. Segundo o pesquisador Mark Z. Jacobsen, as emissões seriam de entre 68 e 180 CO2/kWh, dependendo da mistura de energia elétrica para a extração de urânio, além de outras variáveis.


Como é a energia nuclear em comparação com as outras fontes?


Se todo o ciclo vital de uma usina nuclear for incluído no cálculo, a energia nuclear estará em melhor posição do que fontes como o carvão ou gás. Mas, em relação às fontes renováveis de energia, a disparidade é enorme.


Dados recentes, mas ainda não publicados, calculados pela Agência Federal para o Meio Ambiente da Alemanha juntamente com o Wise, revelam que a energia nuclear libera 3,5 vezes mais CO2/kWh do que os sistemas de células fotovoltaicas para a obtenção de energia solar.


Se comparada à energia eólica produzida em terra, a diferença é 13 vezes maior. Em relação à energia hidrelétrica, as usinas nucleares produzem 29 vezes mais CO2.


A expansão da energia nuclear pode deter o aquecimento global?


Em todo o mundo, defensores da energia atômica, assim como alguns políticos, pedem a expansão do uso desse tipo de energia. Na Alemanha, por exemplo, o partido populista de direita Alternativa para a Alemanha (AfD), descreve a energia nuclear como "moderna e limpa”. Os populistas querem o retorno do país à energia atômica, ao mesmo tempo em que outros países planejam novas usinas.


O argumento é que, sem energia nuclear, o equilíbrio climático do setor energético se deteriorará. Entretanto, numerosas pesquisas contradizem essa tese.


"A contribuição [da energia nuclear] é vista de maneira demasiadamente otimista”, diz Ben Wealer. "Na verdade, o tempo de construção é longo demais e os custos são muito altos para que se tenha um efeito perceptível nas mudanças climáticas. A energia atômica é disponibilizada de maneira muito lenta”, observou.


Mycle Schneider, autor do Relatório do Status da Indústria Nuclear Mundial, afirma que, segundo novos cálculos, "a energia nuclear é cerca de quatro vezes mais cara do que a energia solar e a construção demora cinco vezes mais. Se levarmos tudo em conta, a construção de uma usina nuclear levar em torno de 20 anos”.


O mundo, porém, corre para manter as emissões sob controle dentro de um década. "A energia nuclear não estará apta a dar uma contribuição significativa nos próximos dez anos.”


Antony Froggatt, pesquisador e consultor de políticas do think tank britânico Chatam House, compartilha dessa opinião. "A energia atômica não é uma solução para as mudanças climáticas”. Uma combinação de custos excessivos, consequências ambientais, além da falta de apoio público, depõem contra essa fonte de energia.

Devido ao alto custo, essas tecnologias também bloqueiam importantes recursos que seriam destinados ao desenvolvimento de fontes renováveis, explica Jan Haverkamp, especialista do Greenpeace.


As energias renováveis podem fornecer energia mais rapidamente, com custos mais baixos e de mais qualidade do que a energia nuclear. "Cada centavo investido em energia nuclear é um centavo que falta para medidas importantes e eficientes para o ambiente. Nesse sentido, a energia nuclear não é favorável ao clima”, diz Haverkamp.


Além disso, a energia atômica também tem seus problemas com o clima. Nos verões mais quentes, várias usinas têm de ser desligadas ou retiradas completamente da rede energética, uma vez que o resfriamento dos reatores não podia ser garantido devido ao baixo nível de vários rios.


"Também por essa razão, mas, principalmente por causa dos altos custos, o termo 'renascimento da energia nuclear' não pode ser justificado, por ir contra os fatos", afirma Mycle Schneider. Ele destaca que há anos a indústria nuclear vem se encolhendo.


"Nos últimos 20 anos, 95 usinas nucleares foram conectadas às redes e 98 foram desligadas. Se considerarmos a China, já existem 50 usinas a menos do que 20 anos atrás. Não existe uma próspera indústria nuclear.”

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