Fogo e desmatamento: as marcas do cenário ambiental brasileiro em 2020

A área desmatada na Amazônia este ano representa a perda de 443 milhões a 832 milhões de árvores. Especialistas da TNC Brasil analisam o que é preciso fazer em 2021 para mudar esse cenário


Por Edenise Garcia e Mariana Soares*


Queimada em área de mata e vista à beira da BR-319 próximo a Porto Velho (Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real/12-08-2020)


Definitivamente, 2020 será um ano que deixará suas marcas. Em primeiro lugar, pela pandemia, que já ceifou mais de 1,6 milhão de vidas e atinge quase 80 milhões de pessoas em todo o mundo. Mas o ano que termina ficará marcado também por grandes perdas ambientais. Em alguns casos, elas estão associadas a causas naturais, como furacões e tempestades tropicais. Mesmo assim, a mão humana se faz presente, seja indiretamente, por efeitos das mudanças climáticas, seja diretamente, causando desmatamento e queimadas, por exemplo.


Tudo isso leva à destruição do habitat de milhões de seres da natureza – de humanos e grandes vertebrados aos seres quase invisíveis. No Brasil, de janeiro a outubro de 2020, mais de 20 milhões de hectares da Amazônia, do Cerrado, da Mata Atlântica e do Pantanal, juntos, foram atingidos por queimadas, segundo o Sistema de Observação da Terra da Nasa (EOSDIS). Isso corresponde a uma área maior que a do estado do Paraná, para se ter ideia.


Em área absoluta, o Cerrado foi o bioma mais atingido pelo fogo, com 11 milhões de hectares; em seguida vêm Amazônia, Pantanal e Mata Atlântica, com 4,8, 3,6 e 0,8 milhões de hectares queimados, respectivamente (veja o gráfico abaixo). No entanto, quando a área ocupada por esses biomas é considerada, o Pantanal foi de longe o mais afetado, com 24% de seu território completa ou parcialmente destruído pelas chamas. Já no Cerrado, a área atingida pelo fogo correspondeu a 6% do bioma; e na Amazônia e na Mata Atlântica, a cerca de 1%. Além disso, foi no Pantanal onde a área queimada em 2020 mais cresceu quando comparada a 2019: 91%. Na Amazônia o aumento foi de 18%; na Mata Atlântica, de 14%; e no Cerrado, a área queimada em 2019 e 2020 foi equivalente.


Após uma diminuição acentuada em 2018 nos quatro biomas analisados, comparativamente a 2016 e 2017, nesses últimos dois anos a área queimada aumentou em 60% na Mata Atlântica em relação a 2018, mais que dobrou na Amazônia e no Cerrado e chegou a ser 18 vezes maior no Pantanal. Se somadas, as áreas queimadas nesses quatro biomas nos últimos cinco anos chegam a 82,3 milhões de hectares, quase 10% do território nacional.


É claro que o fogo não é necessariamente aditivo, podendo reincidir sobre uma área, e que sua severidade é variável, mas esse número evidencia que muito da riqueza da vegetação nativa e da fauna brasileiras, bem como da agricultura e da pecuária, tão importantes para a economia nacional, está se esvaindo em fumaça.



Área queimada nos biomas Amazônia, Cerrado, Mata Atlântica e Pantanal, entre janeiro e outubro e em novembro e dezembro de 2016 a 2020. Dados de 2020 estão disponíveis apenas para o período de janeiro a outubro. (Foto: TNC Brasil com dados de EOSDIS/NASA (área queimada) e IBGE (limites dos biomas))


Quanto ao desmatamento na Amazônia, 2020 não foi melhor, atingindo a maior taxa desde 2008. As estimativas do Prodes/INPE, que cobrem o período de agosto de 2019 a julho de 2020, indicam uma perda de 1,1 milhão de hectares de florestas, um incremento de 9,5% em relação ao ano anterior. Esses valores podem aumentar, considerando que áreas historicamente com menor incidência de desmatamento ainda não foram contabilizadas.


Entre os estados amazônicos, o Pará foi o que mais desmatou, sendo responsável pela perda de 519 mil hectares de floresta, quase a metade da perda total, e com um aumento de 24,4% em relação a 2019. Em segundo lugar ficou Mato Grosso, com 177 mil hectares perdidos e uma alta de 3,8% em relação ao ano precedente. Esses dois estados, junto com Amazonas e Rondônia, respectivamente com 152 mil e 126 mil hectares de floresta convertida, concentraram cerca de 88% do desmatamento total na Amazônia em 2020.


Quando considerada a distribuição por categoria territorial, tal como observado em 2019, as maiores perdas florestais ocorreram em áreas não destinadas, ou seja, florestas públicas, e em assentamentos, cada categoria concentrando aproximadamente 30% do desmatamento total.


Um dado preocupante foi o aumento da frequência de grandes blocos de desmatamento (maiores de 1000 hectares), que contribuíram com quase 8% da área total de floresta perdida, um sinal claro da falta de governança que paira em algumas regiões da Amazônia, apesar dos avançados sistemas de monitoramento à disposição das autoridades públicas.


A área desmatada em 2020 representa a perda de 443 milhões a 832 milhões de árvores, considerando uma densidade de 400 a 750 árvores por hectare de floresta de terra firme (Ter Steege et al., 2003). Somem-se isso os bilhões de indivíduos de espécies não arbóreas e da fauna associada a essas árvores perdidas e obtém-se uma melhor percepção da dimensão dos impactos do desmatamento sobre a biodiversidade na Amazônia.



Queimada em área de desmatamento e vista às margens BR-230, em Apuí (AM) (Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real/10-08-2020)


Não fica difícil compreender o quão grande é o desafio que o Brasil tem pela frente. Por isso, para o próximo ano, é fundamental que o governo brasileiro restabeleça a governabilidade ambiental no país, adotando uma abordagem de inteligência territorial que associe o monitoramento a ações que efetivamente coíbam a ilegalidade, fortalecendo seus órgãos ambientais de pesquisa, conservação e fiscalização.


É necessária também a implantação de um novo modelo de desenvolvimento econômico, em que conservação e produção devem caminhar juntas para uma transformação sistêmica, que integre os elos das cadeias produtivas e valorize a floresta em pé. Só assim, com governança e escutando a ciência, será possível evitar esse mesmo cenário em 2021. Esse pode ser o início de um caminho para transformar o Brasil em uma potência sustentável e exemplo para o mundo.

*Edenise Garcia é diretora de ciências e Mariana Soares é especialista em ciências, ambas na The Nature Conservancy (TNC) Brasil. Saiba mais em www.tnc.org.br


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O projeto Tempo de Aprender em Clima de Ensinar foi criado pela equipe do Laboratório de Meteorologia da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (LAMET/UENF), com o intuito de discutir com alunos e professores de escolas públicas as diferenças entre os conceitos de “tempo” e “clima” através de avaliações e estudos das características da atmosfera.

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